
Ex-executivo da General Electric Angola condenado a sete anos de prisão efectiva nos EUA por fraude financeira e usurpação de identidade
O Tribunal Federal do Distrito Sul de Nova Iorque, nos Estados Unidos da América (EUA), condenou, nesta quarta-feira, 26, a sete anos de prisão efectiva, o ex-executivo da General Electric Angola (GE) Wilson Daniel Freita da Costa — peça-chave do polémico caso da rescisão dos 13 contratos, que resultou no arresto de quatro turbinas pertencentes à sociedade comercial Aenergy S.A, em 2019.
O antigo executivo da GE Angola foi considerado culpado dos três crimes de que vinha acusado, nomeadamente o de fraude financeira por falsificação de documentos através de meios electrónicos (Wire fraud) e dois crimes de usurpação de identidade agravada por falsificação de assinaturas (two counts of aggravated identity theft).
A sentença, proferida pelo juiz P. Kevin Castel, determina que Wilson Daniel Freita da Costa deve cumprir uma pena efectiva de 84 meses de prisão, três anos de liberdade supervisionada, assim como lhe será também confiscado cinco milhões de dólares norte-americanos e aplicada uma multa no valor de 100 mil dólares e uma avaliação especial de 300 dólares.
Wilson Daniel Freita da Costa, que esteve presente na sala de julgamento, acompanhado dos seus advogados Robert Schechter, Peter Tilem e Zachary Segal, já tinha sido considerado culpado dos crimes de falsificação de documento e usurpação de identidade, na sequência da decisão do Júri, proferida a 18 de Novembro de 2024.
Contenda judicial
O agora condenado foi director Regional de Vendas da General Electric em Angola e peça-chave do processo que deu origem a uma contenda judicial, ainda hoje por resolver, entre o governo angolano e a sociedade comercial de direito angolano Aenergy S.A.

Em 2019, o Presidente João Lourenço autorizou, via despacho presidencial, o ministro da Energia e Águas, João Baptista Borges, a rescindir os 13 contratos que a Empresa de Distribuição de Energia (ENDE) e de Produção de Electricidade (PRODEL) mantinham com a Aenergy S.A., à luz de uma linha de financiamento da General Electric Capital, do grupo General Electric, avaliado em 1,1 mil milhão de dólares norte-americanos.
A polémica decisão de rescindir os 13 contratos teve como origem documentos que o agora condenado Wilson Freita Daniel da Costa falsificou e fez chegar à ENDE e à PRODEL, atribuindo a autoria do expediente fraudulento à Aenergy S.A.
Entretanto, alertado pela Aenergy S.A., que chegou inclusive a denunciar o caso junto da Procuradoria-Geral da República (PGR), o Ministério da Energia e Águas ignorou o facto e optou pelo caminho inverso: usou as mesmas cartas falsificadas pelo ex-executivo da GE Angola para anular os 13 contratos que mantinha com a empresa Aenergy, acusando-a de “violação do princípio da boa-fé e da quebra de confiança”.
Na sequência desta decisão, o então Tribunal Provincial de Luanda (hoje Tribunal da Comarca de Luanda), em sede de uma acção intentada para sanar “indícios de violação dos contratos celebrados com o Ministério da Energia e Águas”, mandou arrestar quatro turbinas, peças e equipamentos consumíveis pertencentes à Aenergy S.A — um acto que a mesma empresa considerou, na ocasião, de “ilegal e infundado”.
Falsificação do BI angolano

O agora condenado nos EUA já tinha sido detido em Angola, acusado pelos mesmos crimes, quando, a 14 de Janeiro de 2019, a Direcção Nacional do Arquivo de Identificação Civil e Criminal (DNAICC) mandou instaurar um procedimento criminal contra Wilson Freita Daniel da Costa, pela prática do crime de falsificação de documentos.
Em causa estava uma denúncia que dava conta de que o mesmo não era cidadão nacional e de que o Bilhete de Identidade de que fazia uso tinha sido adquirido de forma fraudulenta. A nacionalidade verdadeira de Wilson Freita Daniel da Costa é camaronesa.
Na sequência, a DNAICC fez várias diligências junto dos seus serviços de Identificação Civil, bem como nos seus próprios Arquivos, para averiguar a veracidade da denúncia, tendo constatado que se tratava, de facto, “de um Bilhete de Identidade que foi adquirido à margem da lei”.
Na sequência, foi feita uma participação criminal junto do Serviço de Investigação Criminal (SIC-Luanda), na qual se alegava que “tecnicamente não é possível” que o registo de nascimento seja posterior ao primeiro Bilhete de Identidade, na medida em que “a emissão do Bilhete de Identidade é feita com base nos dados da certidão ou Assento de Nascimento, tal como dispõe a alínea b) do n.º 91, do Artigo 20.° da Lei n.° 04/09, de 30 de Junho (Lei sobre o Regime Jurídico da Identificação Civil e Emissão do Bilhete de Identidade de Cidadão Nacional)”.
Procuradora Constância Lopes Capemba ignorou evidências e mandou soltar o ‘colega’ do irmão
Apesar de todas as evidências apresentadas pela DNAICC sobre o caso, e depois de Wilson Freita Daniel da Costa ter sido detido pelas autoridades angolanas e estar a aguardar em prisão preventiva o andamento do processo, a 6 de Janeiro de 2020, a então sub-procuradora-geral da República junto do SIC-Luanda Constância Lopes Capemba emitiu uma certidão a ‘ilibá-lo’ do crime de que vinha indiciado.
No documento, Constância Lopes Capemba refere que “diligências levadas a cabo no âmbito da Instrução, mormente junto da Direcção Nacional do Arquivo de Identificação Civil e Criminal permitiram concluir ser de se afastar a existência do crime de que tinha sido indiciado, porquanto se trata de um cidadão com nacionalidade angolana, portador legítimo do Bilhete de Identidade número zero zero cinco três seis três nove nove nove M E zero quatro nove, em conformidade com o assento de nascimento número quinhentos e vinte e cinco do livro número três, folha número sessenta e um verso do ano do dois mil e onze da Conservatória do Registo Civil de Malange.”
Uma evidência que passou ao lado de todos
O que não se fez constar, no entanto, na certidão que ilibou Wilson Freita Daniel da Costa é que a então sub-procuradora-geral da República titular junto do SIC-Luanda Constância Lopes Capemba é irmã de Mário Lopes Capemba, a figura que — logo a seguir à polémica sobre a rescisão dos 13 contratos e a decisão do então Tribunal Provincial de Luanda de mandar arrestar as quatro turbinas da Aenergy S.A. —, substituiu, na liderança da GE Angola, Wilson Freita Daniel da Costa, o mesmo cidadão que a irmã acabava de pôr em liberdade, e que, mal se viu livre das masmorras, abandonou o país, tendo sido mais tarde detido nos EUA.